Quatro meses antes do fim de 2025, Polícia de Florianópolis bate recorde de mortes em ação policial

Agentes de Segurança Pública mataram 25 pessoas em Florianópolis, maior marca já registrada em um único ano

Reportagem por Rodrigo Barbosa. Arte por Bruno Ruthe

Em julho de 2025, a Secretaria de Estado da Segurança Pública anunciou que o primeiro semestre do ano registrou as menores taxas de criminalidade da última década em Santa Catarina. 

A nota publicada pela Secretaria destacava a diminuição de vários indicadores das chamadas “mortes violentas”: houve menos homicídios, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, representando a menor taxa de crimes violentos da história – e uma diminuição de 17% em relação ao ano de 2024.

Há, entretanto, um indicador que não foi detalhado na nota da Secretaria de Estado. O número de mortes em ações policiais, chamadas oficialmente de “mortes por intervenção legal de agente do Estado”, também faz parte do conjunto de crimes que formam as “mortes violentas”. 

Existe um motivo para que estes dados não tenham sido detalhados pelo governo estadual. Na contramão do discurso de que Santa Catarina nunca foi tão segura, nunca houve tanta violência por parte do próprio Estado catarinense – em especial na capital Florianópolis. E, mais uma vez, é para a periferia que essa violência é direcionada. 

2025 é o ano com o maior número de mortes em ação policial em Florianópolis. Arte: Bruno Ruthe

Recorde histórico e população negra no alvo

Mesmo a quatro meses do fim do ano, já é possível afirmar que a polícia nunca matou tanto em Florianópolis quanto em 2025. De janeiro a agosto, foram registrados 25 homicídios cometidos por agentes de segurança pública em nosso território, recorde do período de 10 anos e 8 meses analisado pela equipe do Desterro (01/2015 a 08/2025). 

Até então, os períodos mais violentos eram 2018 e 2024, com 22 mortes registradas em cada ano. Esta é também a primeira vez que são registrados pelo menos 20 óbitos em ações policiais por três anos seguidos: 2023, 2024 e 2025.

O levantamento realizado para esta reportagem tem como base dados obtidos através da Lei de Acesso À Informação (LAI), combinados com consultas a arquivos de mídia e Boletins de Ocorrência, além de entrevistas com moradores de comunidades periféricas, lideranças comunitárias e familiares de vítimas de violência do Estado.

O perfil racial das vítimas de mortes em ações policiais é um fator que chama atenção. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, 23% da população de Florianópolis é negra – o que classifica a capital catarinense como a capital mais branca do Brasil. 

Na contramão desta estatística, pelo menos 44% das pessoas vitimadas pela polícia em 2025 eram negras – quase o dobro da porcentagem de pessoas negras que compõem a população da cidade como um todo – evidenciando que a população negra segue sendo o principal alvo de nossas forças de segurança. 

Perfil racial das vítimas da polícia em Florianópolis de janeiro a agosto de 2025. Arte: Bruno Ruthe

A idade média das vítimas do Estado era 26 anos, o que também indica um perfil jovem dentre os alvos da polícia em Floripa. Este perfil também é notado por Danilo Novais, vice-presidente da Associação de Moradores do Morro do Horácio – comunidade que compõe o Maciço do Morro da Cruz, maior aglomerado de favelas de Floripa:

“Quantos jovens a gente já viu morrer com tiros nas costas ou por que correu? Gente inocente, que morre de bobeira. A gente percebe que o Estado não se importa com as nossas comunidades. É quase um controle de natalidade. Se não faz aborto quando tá na barriga, aborta com 16, 17, 20 anos”. Três vítimas do período analisado por nosso levantamento eram menores de idade.

Ao menos 23 das 25 mortes registradas em ações policiais em Florianópolis no ano de 2025 foram cometidas pela Polícia Militar – todas elas por agentes que estavam em serviço. O 4º Batalhão da PM (4BPM), responsável pelo patrulhamento das regiões central e Sul da cidade, foi responsável por mais da metade dos óbitos. 

Houve uma morte ocasionada pela Polícia Civil e um óbito registrado em uma operação conjunta entre as duas corporações, na qual não foi possível determinar a responsável pelos disparos que tiraram a vida da vítima – um homem negro de 34 anos, morto no Monte Serrat.

Onde e como morreram?

Em 2025, policiais mataram civis em Florianópolis em todos os meses do ano e em todas as regiões da cidade – Norte, Sul, Central e Continental. As duas regiões da cidade que contabilizaram o maior número de óbitos neste ano até aqui foram a central e o Sul da Ilha. 

Vítimas da polícia de Florianópolis de janeiro a agosto de 2025 divididas por região da cidade. Arte: Bruno Ruthe

O Maciço do Morro da Cruz foi palco do maior número de óbitos da região central, evidenciando o perfil periférico da maior parte das vítimas da polícia em Florianópolis. Em 2025, essas mortes têm ocorrido em especial nos morros do bairro da Agronômica. 

Sempre tem um primo, um parente, um conhecido, um amigo, que foi morto. Isso é normal hoje em dia, ver mais um amigo ou parente seu morto pela polícia. E o que mais me deixa triste é a falta de investigação –  eles não querem perder tempo e estar investigando pobre favelado pra saber se realmente era inocente ou era culpado”, denuncia Danilo Novais, liderança comunitário no Morro do Horácio, a maior das comunidades da Agronômica.

Foi no Horácio, por exemplo, que José Romualdo, jovem negro de 20 anos, foi assassinado dentro da própria casa, na presença da mãe, na manhã de 20 de janeiro. Ele e mais dois amigos haviam sido agredidos por policiais do 4º Batalhão uma semana antes. Àquela altura, José era a sexta vítima da polícia no ano, o que já indicava que 2025 seria um ano especialmente sangrento.

Operações de alto poder de fogo seguiram sendo uma constante no Morro do Horácio e comunidades vizinhas durante todo o ano, mas se intensificaram sobretudo a partir do mês de maio. Na manhã do dia 21 daquele mês, um suposto confronto envolvendo um policial civil na comunidade foi amplamente noticiado por veículos da mídia comercial.

O início deste suposto conflito foi registrado por uma câmera de segurança. É possível ver que um carro descaracterizado da Polícia Civil sobe o morro e passa por dois jovens, que não se aproximam do carro – ao contrário do que foi relatado pelo delegado em questão em redes sociais e veículos da imprensa comercial, visto que ele disse ter sido abordado pela dupla.

O carro então sai do quadro do vídeo, que segue focado nos dois jovens – estes, seguiram parados na rua. Em seguida, ouve-se dois tiros e um dos jovens começa a correr, sendo perseguido pelo autor dos tiros: o delegado, que confirmou que os tiros ouvidos no vídeo foram disparados por ele. 

O suposto conflito denunciado por um delegado da Polícia Civil no Morro do Horácio

O mês seguinte foi marcado por várias operações das Polícias Militar e Civil na comunidade. Em 14 de junho, a caçada terminou em morte. O homicídio de Jefferson, jovem de 24 anos, foi relatado pelo 4º Batalhão da PM como uma resposta a uma “iminente agressão” durante uma incursão policial realizada no contexto dos holofotes criados pela Polícia Civil no Morro do Horácio.

A versão oficial é fortemente contestada por moradores, que afirmam que não apenas o jovem não ofereceu ameaça aos policiais, como nada tinha a ver com o suposto conflito com o delegado da Polícia Civil semanas antes. 

Quando eu vejo uma reportagem e vejo Autos de Resistência… quem tá na comunidade sabe que não foi um auto de resistência, foi um assassinato. Mas a grande mídia não quer saber disso, a sociedade não quer saber disso, o Judiciário não quer saber disso. Principalmente se o jovem tem passagem, se é negro e mora em comunidade. Isso nos deixa a pensar: existe Justiça ou é só um nome bonito que dizem que tem que ser feito?”, questiona Danilo.

Além do Horácio, também foram registrados óbitos em favelas como o Monte Serrat, a Nova Descoberta e os Morros do Macaco e do Quilombo, todos no Maciço do Morro da Cruz.

No Sul da Ilha, as vítimas do Morro da Costeira representam metade dos óbitos, incluindo os dois mais recentes. Nas palavras de um morador, “aqui na Costeira tá um extermínio fodido, a polícia tá exterminando toda a molecada, estão vindo para matar mesmo”. Danilo, barbeiro da comunidade, estava entre as vítimas do último episódio violento da polícia na Costeira dentro do período analisado pelo levantamento.

Outro caso marcante ocorrido no Sul da Ilha foi a morte de Betinho, em 4 de janeiro. Homem portador de nanismo, ele foi morto à queima-roupa dentro de casa, em surto, no Pântano do Sul.

O Norte da Ilha contabilizou 6 mortes de janeiro a agosto de 2025. A maior parte dos óbitos também foi registrada em comunidades periféricas, havendo casos de grande repercussão. Um deles foi na comunidade da Vila Cachoeira, no bairro Saco Grande: Tininho, adolescente negro de 15 anos, foi baleado com um tiro na cabeça na noite de 25 de março, vindo a falecer na manhã do dia seguinte. Por sua morte ocorrer no hospital, ele teve sua morte ocultada dos dados oficiais do Estado de Santa Catarina – não contabilizando enquanto uma morte decorrente de ação policial. 

Semanas mais tarde, a execução de Natanael, jovem negro de 19 anos, chocou a comunidade do Siri, no bairro dos Ingleses. Moradores denunciam que o jovem estaria ferido, rendido e desarmado quando foi alvo de uma rajada de cerca de dez tiros de fuzil. Na época do crime, a PM também levou violência a moradores do Siri que protestavam contra a morte de Natanael – os policiais utilizaram granadas, spray de pimenta e tiros de borracha contra a população. 

O Continente foi a região que registrou o menor número de óbitos em 2025. Isto não quer dizer, entretanto, que as comunidades da região não tenham sofrido com a violência policial. Em agosto, por exemplo, registros de policiais do 22º Batalhão plantando uma arma de fogo em um morador da Chico Mendes tomaram conta das redes sociais e causaram revolta nas quebradas da cidade. 

A região continental também foi palco, em abril, de uma série de ações que envolveram o emprego de Caveirões do BOPE. Além disso, a única vítima feminina da polícia no ano de 2025 perdeu a vida no Continente: uma adolescente de 17 anos, vitimada em 10 de fevereiro, no Monte Cristo. Por fim, há mortes decorrentes de ação policial no complexo do Monte Cristo para além do período analisado por nosso levantamento, em setembro de 2025.

A Secretaria de Estado de Segurança Pública de Santa Catarina não retornou aos questionamentos de nossa reportagem. Nas redes sociais, a Polícia Militar de Santa Catarina comemora o 1º lugar na área de Segurança Pública do Ranking de Competitividade dos Estados 2025 – afirmando que o Estado é destaque “na preservação da ordem, na proteção dos direitos individuais e na promoção da estabilidade interna”. Nas periferias da capital, novas cruzes se juntam a longa lista de entes perdidos para o Estado. 

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