Relatório produzido pelo Desterro analisa as mortes decorrentes de ações policiais ocorridas em Florianópolis nos últimos 10 anos
Por trás dos prédios das principais ruas do centro de Florianópolis, como Avenida Beira Mar, Avenida Mauro Ramos e Rua Silva Jardim, existem becos e vielas – territórios onde vivem milhares de pessoas. O mesmo padrão se repete nos extremos da ilha e na área continental: condomínios e prédios de luxo contrastam com as favelas que Floripa tenta esconder.
No dia a dia da capital de um estado repleto de estereótipos brancos e europeus, Florianópolis é construída por pessoas negras e pobres que hoje ocupam as frestas entre as fachadas dos prédios. Ali, nas comunidades, elas vivem e morrem. E morrem, muitas vezes, nas mãos do próprio Estado.
No asfalto, Ilha da Magia. Florianópolis é um dos principais destinos migratórios do Brasil – mais de 40% de nossa população atual é composta por migrantes. Esse fluxo é constantemente impulsionado por propagandas que retratam a cidade como próspera, segura, e repleta de oportunidades.
Morro acima, a utopia acaba. A insegurança é uma sensação diária. O benevolente Estado catarinense se mostra presente por políticas de repressão a territórios e corpos marginalizados.
E quais são os corpos que esta violência atinge? Quem são as pessoas que morrem nas comunidades de Florianópolis? Como? E por que? A partir destes questionamentos, o Desterro passou os últimos 12 meses analisando dados referentes às mortes decorrentes de ações policiais.
Tendo como ponto de partida dados da Secretaria de Segurança Pública obtidos via Lei de Acesso À Informação, fomos a diversas comunidades periféricas da cidade para tentar entender melhor os homicídios cometidos por policiais em Floripa nos últimos 10 anos. Queríamos saber para além do que diz o Estado. Complementaram nossa pesquisa centenas de arquivos de mídia e documentos governamentais, como Boletins de Ocorrência e Inquéritos Policiais.
O resultado demonstra que, assim como outros estados do Brasil, a capital catarinense opera em sua própria lógica de produção de morte. Na cidade que lidera a lista de “Capitais mais seguras do Brasil”, quase 85% das mortes cometidas por agentes de segurança ocorrem em territórios periféricos. Na Ilha da Magia, as favelas também sangram.

O dado mostra o que já ouvíamos das próprias periferias: a percepção de “cidade segura”, divulgada amplamente por diferentes governantes em propagandas nas redes sociais, não é encontrada de forma igualitária em todos os territórios da cidade. Fora dos bairros nobres, onde o metro quadrado é um dos mais caros do país, a realidade é outra – e a violência policial atinge o cotidiano de milhares de moradores.
Nosso relatório é lançado em um momento especialmente crítico para a Segurança Pública em Florianópolis. Em 2025, batemos o recorde de mortes decorrentes de ação policial, com mais de 30 vítimas.
Também foi o ano em que tivemos, pela primeira vez, mais de 50% de nossas mortes violentas causadas pela polícia. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública define a taxa de 10% como o limite que indica “indícios consistentes de uso abusivo da força”. Estamos cinco vezes acima desta taxa.

Para além do perfil periférico, também chama atenção a faixa etária das vítimas da polícia de Floripa. Morto aos 12 anos de idade em novembro de 2020 no Morro da Costeira, Naninho é a vítima mais jovem de todo o levantamento e uma das vítimas da polícia mais lembradas da cidade. Porém, não é exceção: cerca de 82% das vítimas de nossa polícia, assim como Naninho, eram jovens. Foram mais de 120 pessoas de até 29 anos mortas.

O perfil racial é mais um recorte abordado por nosso relatório. Em uma cidade em que apenas 23% de sua população se autodeclara negra, mais de 40% das vítimas da polícia são pessoas pretas ou pardas. Essa porcentagem corresponde a quase o dobro da proporção de pessoas negras na população total da cidade.

Ao territorializar os homicídios, foi possível determinar que a porcentagem de vítimas negras e jovens mortas em favelas é consideravelmente superior se comparadas às vítimas que perderam suas vidas fora de localidades periféricas. Na última década, comunidades como os Morros do Mocotó, do Horácio e da Costeira, o Complexo do Monte Cristo e favelas da região da Vargem Grande, no Norte da Ilha, foram os principais focos de violência policial. Abaixo, o panorama das favelas da região Central mapeado.

As mortes ocorridas em outras regiões também foram detalhadas, assim como uma análise do papel da mídia comercial da cidade na construção dessa falsa imagem de uma polícia amiga em uma cidade pacífica.
Para acessar o relatório completo “Segura Pra Quem?”, clique aqui.
